“Situada, como a de Águas Boas, na parte mais alta do concelho, já a confinar com as terras do Alto Paiva, de quando em quando vestidas de neve mas na maior parte do ano cheias de sol, Forles como a de Águas Boas, pertenceu, até aos fins do século XVI, à freguesia de Ferreira de Aves, a cujo concelho continuou ligada até 1836.
Aquando do desmembramento e portanto, da sua autonomia, esta comunidade já tinha o seu pequenino templo, a sua capela de Santa Luzia.
Com a elevação a paróquia autónoma, a igreja foi-se tornando pequena. E os seus moradores, briosos como ainda hoje o são, e estimulados pelo exemplo da sua vizinha de Águas Boas, pensaram logo em aumentá-la e enriquecê-la.
E assim, na passagem do século XVII para o século XVIII (1700), a igreja foi dotada de boas tribunas de talha dourada, com colunas e arcos, salomónicos, de ramagem, como se usava na época.
Na segunda metade do século passado – há duas datas, uma no meio cruzeiro e outra no cimo da tribuna, apontar 1866 e 1885 – foi ampliada e subida em altura, e construída a capela-mor, onde a talha primitiva ali, agora pequena, foi substituída pela actual, mais moderna, portanto, mas mais alta e vistosa.
A igreja paroquial de Forles, a dentro do estilo das outras igrejas daquele planalto, todas de campanário e granito aparelhado, sem reboco, morenas, sugestivas e austeras, foi toda renovada interiormente oferece um agradável aspecto.
Além das referidas tribunas laterais, com três séculos bem contados, há, no recheio da matriz, imagens de valor. Mas a jóia mais preciosa, neste capítulo, é a imagem da padroeira, Santa Luzia, em pedra de Ançã, toda ela a respirar ancianidade, tão antiga que terá vindo dos tempos medievais, e já era padroeira e orago quando Forles ainda pertencia a Ferreira de Aves.
Vestida de túnica, de mangas cingidas, e manto traçado para a esquerda, com o prato e os olhos e a palma de mártir, tem esta imagem um pormenor que nas outras não temos observado. Uma grinalda de flores cinge-lhe os cabelos, como coroa de glória e de mártir coroa também.
Forles, terra pequenina, ama a sua igreja e as árvores frondosas do seu adro. Com o cruzeiro à entrada poente, o castiço chafariz do rossio – Chãozinho -, onde se ergue a sede da junta de freguesia e biblioteca pública, oferece a quem a visita, um conjunto agradável e repousante.
E então no dia 13 de dezembro – festas de Santa Luzia – mais donairosa se torna pela grande afluência de romeiros que de toda a parte a ela acorrem, a cumprir suas promessas.
Tudo nesta terra nos lembra o castiço século XVII. O conjunto paroquial e o Chãozinho, centro cívico, o belo cruzeiro da entrada poente, todo ele de pujança barroca, coroado por uma bola encimada pela cruz, e até o solar da Família Soeiro de Forles, datado de 1691, com entrada de alpendre sobre a porta da velha cozinha, à portuguesa, onde não faltavam nem a lareira nem água canalizada, já naquele tempo.”
Excerto retirado do livro “Terras do Concelho de Sátão” do autor Albano Martins de Sousa (3ª edição, 1991)
“Situada ao norte das terras do Sátão, no Planalto Dolménico que vai da serra da Lapa até à Queiriga e Cota, numa larga plataforma que daria para um campo de aviação, dotada de ares lavados, soalheira, terreno úbere e frescal, onde das batatas se criam quase sem rega, no Verão, e o castanheiro encontra o seu ambiente, Águas Boas pertenceu, até aos fins do século XVI, à freguesia e concelho de Ferreira de Aves.
Nessa altura, conseguiu a sua independência paroquial, mas continuou a pertencer ao concelho de Ferreira.
Só em 1836 é que entrou para o actual concelho do Sátão, de cuja sede está afastada cerca de vinte e dois quilómetros, mas com estrada de asfalto e duas carreiras de camionetas diárias, além das que levam e trazem os estudantes.
Confronta com as freguesias de Ferreira de Aves, Quintela da Lapa, Lamosa e Forles, e fica perto das nascentes dos rios Vouga e Paiva.
É no seu território que ficava a antiquíssima e célebre capela de Nossa Senhora da Penha do Vouga, em penedia debruçada sobre o rio, muito lembrada nos livros de Aquilino Ribeiro, e onde, em tempos remotos, iam ladainhas.
No lugar da capela só restam a lembrança, o sítio e algumas pedras dos alicerces.
Conta-nos o sr. Adelino Dias, nascido aí perto, na Quinta dos Moinhos, que ainda se lembra da última vez, aí por 1920, que lá foi a ladainha de Águas Boas.
Com o andar dos tempos, a capela começou a deteriorar-se, o voto foi interrompido e a imagem da Senhora da Penha do Vouga, perto da Lapa, para lá ficou abandonada e quase esquecida, de tal modo que os de Ferreira de Aves já pensavam em ir lá e trazê-la para a sua igreja paroquial do Castelo.
Alarmados, porém, os de Águas Boas combinaram, secretamente, que o segredo em muitas coisas é a alma do negócio, foram lá, de noite e trouxeram-na para a sua igreja, onde a colocaram em lugar de honra e continuaram a prestar-lhe toda a devoção.
A imagem de Nossa Senhora da Penha do Vouga, com cerca de um metro de altura, é muito bela, talvez medieval. Donairosa, levemente inclinada para a frente, com o jeito carinhoso de mãe, tem nos braços o Menino, que com uma das mãos segura uma romã e com a outra poisa os dedos em cima dos dedos da Senhora, num ar de afago e carícia emocionantes.
Além desta bela imagem e da do Divino Espirito Santo, orago da freguesia, há uma outra, de Nossa Senhora do Rosário, de madeira, em que o Menino, ao colo e agasalhado pelo manto da Senhora, abre um leve sorriso de curiosidade enquanto levanta o véu, da parte de fora, num olhar ladino de criança brincalhona.
Há ainda, encastoada na face interior da parede da igreja, uma estela, que nos informaram ter vindo também da ermida de Nossa Senhora da Penha do Vouga, mas doze anos mais tarde que a imagem referida, e que, depois de ter estado no adro muitos anos, foi finalmente embutida na parede aquando das últimas obras, há vinte anos atrás.”
Excerto retirado do livro “Terras do Concelho de Sátão” do autor Albano Martins de Sousa (3ª edição, 1991)
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